Levando arte para quem sente a arte além do olhar...

O projeto
Por Adel Gonzaga

Em outubro de 2005, comecei a trabalhar como professor voluntário, na Escola Municipal para Deficientes Visuais, sensibilizado pelo convite feito pelo professor Marcelo de Souza aos professores presentes numa reunião de coordenação de artes para conhecerem a escola. Pensei na proposta e resolvi enfrentar o desafio. Como nunca havia trabalhado com pessoas com deficiência visual, quis no primeiro momento experimentar nas atividades artísticas alguns materiais, tais como: papel, cola, lápis, tesoura, argila, tinta, barbante. E algumas linguagens como desenho, colagem, pintura, escultura. Tudo isso para entender como aquelas pessoas se comportariam diante dos materiais e das linguagens tão peculiares ao universo dos que têm visão.

Até o fim daquele ano, alguns desenhos, algumas colagens e pinturas foram realizados, mas a cola nas mãos acabava incomodando e atrapalhando a execução dos trabalhos; a tinta também sujava muito e, no final, os alunos não reconheciam as imagens. Com a argila, aconteceu a mesma coisa e, com o lápis, não foi diferente. Com o desenho, a superfície da folha de papel pouco sofria com alterações com a textura encerada de grafite, de lápis de cor ou de giz de cera.

Por isso, percebi que era preciso mudar os métodos e introduzir outros materiais e outras linguagens, que estimulassem a percepção tátil dos seus criadores. Nos quais cada pessoa pudesse reconhecer e admirar, através das mãos suas obras e as dos colegas. Que se sentisse estimulada em poder reconhecer seus trabalhos e poder redimensionar o aprendizado em novas criações.

De início pensei na costura com agulha e linha de lã sobre tecido. Conversei com os alunos sobre a costura à mão como atividade. Como não houve objeção, começamos a costurar algumas peças, que foram feitas, individualmente, e depois costuradas uma a uma, numa única peça, com a união e cooperação do grupo.

Mas, enfiar a linha na agulha era uma dificuldade; que não é superada nem mesmo, às vezes, por pessoas que enxergam. Isso causava uma dependência de ter uma outra pessoa que enfiar a linha na agulha para quem não enxerga bem. Por isso, foi preciso pensar numa outra maneira de costurar sem ter que enfiar a linha na agulha. O arame foi a solução, pois ele é, ao mesmo tempo, linha e agulha.. Mas, enfiar o arame no tecido não era suficiente. Era preciso também introduzir outro elemento que funcionasse como atrativo estético.

Durante as minhas férias de janeiro de 2006, levei comigo arame, contas coloridas e uma gravata. Em muitos momentos, de olhos fechados, eu enfiava as contas no arame e depois na gravata. Terminei o trabalho e concluí que, com aquela linguagem, os alunos cegos poderiam criar objetos e reconhecê-los com as pontas dos dedos, pois o arame é um material que permite ser trabalhado de diversas formas.

Paralelamente ao trabalho realizado na escola, comecei a trabalhar no atelier em minha casa objetos com arame e contas coloridas. O resultado pode ser conferido em algumas peças nesta exposição.

De volta às aulas, propus que cada um experimentasse costurar com arame e contas coloridas sobre tecido.
.Enfiar as contas no arame e o arame no tecido foi fácil. O arame e as contas coloridas ganharam logo a simpatia de todos. As peças produzidas por eles individualmente foram agrupadas também uma a uma, formando uma peça única. Com o mesmo espírito de cooperação. Esse foi o início para que pudéssemos desvendar as possibilidades com o arame, as contas e, mais tarde, com os botões.

O trabalho seguinte foi escrever os nossos nomes, letra por letra, com arame.
E depois agrupadas uma a uma. Com isso, ganhamos autoconfiança e identidade durante o processo de aprendizado, que continuou em cada oficina, em busca de novos desafios a cada sexta-feira. Daí, outros objetos foram surgindo por desejo individual ou coletivo como as pequenas esculturas de animais e pessoas feitas por Adenilson e Edson.

A Marise, de início, por ter tido dificuldade em manipular o arame para fazer objetos, produziu textos em braile costurados com botões sobre tecido. O Paulo também fez alguns textos depois que produziu uma libélula. Por um longo tempo, esses textos foram costurados até que Marise e Paulo resolveram dar um tempo, mas voltaram a trabalhar com arame ao perceberem que os colegas estavam conseguindo progresso na produção de novos objetos.

Nesse período, surgiram as bailarinas feitas por Adenilson, os animais do Edson, as camas de Basílio, aluno da Pestalozzi, que freqüenta a oficina e é o único que enxerga do grupo. No final de 2006, começamos a produzir estrelas, que conhecemos numa exposição de artes, e que eram feitas de linha e palito de picolé, mas, que nas nossas mãos, ganharam uma nova versão em arame, contas coloridas e botões.

Enquanto a Marise fazia a última estrela da série, sugeri ao Adenilson que fizéssemos uma árvore. Adenilson fez a primeira, e a maior delas, e uma outra menor com passarinhos, desejo dele, que assobia como um enquanto trabalha. Enquanto isso, Edson produziu dois crucifixos, que deu um de presente para o pai dele, e uma árvore. A Marise fez a última das árvores, com a qual se animou a continuar com o arame. E no trabalho seguinte ela desejou fazer uma flor e daí surgiram outras flores. O resultado está cada vez melhor.

Enquanto isso, Edson mais que ligeiro produziu um ônibus, uma casa, um avião, um tubarão, uma cobra, uma ave e um ovo. O Adenilson fez um beija-flor, um peixe, uma bicicleta, uma cadeira de rodas com o cadeirante, um abacaxi em forma de jarro. .O Paulo fez um barco, uma pipa, um golfinho, uma flor.

No início deste ano, recebemos a visita do Bruno para freqüentar a oficina de arte. Nessa época, estávamos ainda produzindo as estrelas, que eles haviam conhecido na exposição de artes, e o Bruno fez uma com botões. O trabalho seguinte ele não quis fazer com arame. Sugeri, então, a costura com botões sobre tecido. Ele começou a costurar aleatoriamente os botões sobre o tecido e produziu uma peça bem-interessante, mas preferiu voltar a mexer com o arame. Dei a ele um pedaço de arame, que ele amassou e fez uma bolinha. A partir daí, começamos a pensar na estrutura da bola e como ele deveria controlar o arame na feitura do objeto. A primeira tentativa ficou deformada, a qual foi intitulada “bola murcha”. A segunda tentativa ficou melhor: uma bola cheia, redonda.

O ano de 2007, foi bastante produtivo e muito singular, pois está sendo o momento em que cada um dos alunos está procurando uma definição estética para os seus trabalhos e, com isso, ganhando autoconfiança em seguir produzindo novas peças feitas com arame e contas coloridas.

Nesse processo de produção dos objetos, inicialmente, o professor tem de pensar e executar junto com os alunos cegos a feitura de cada coisa, supervisionar cada movimento e a manipulação dos materiais para que eles possam trabalhar com facilidade e segurança na produção de coisas que sejam interessantes e bonitas. Principalmente, para que eles mesmos possam sentir ou consigam sentir, com as pontas dos dedos aquilo que sentimos com os olhos de quem enxerga.

Deixar que cada um deles, no seu tempo, construísse a maneira de fazer as peças foi fundamental para que ganhássemos autoconfiança e estímulo em continuar a produzir com imaginação e determinação as peças desta exposição. Com essa visão, seguimos explorando as possibilidades de pensar e executar cada peça imaginada.

Até a preparação desta exposição, outras peças foram sendo pensadas e produzidas. A inquietação tomou conta de todos desde o momento em que encontráramos a possibilidade de fazer com as mãos coisas bonitas e interessantes ao alcance dos sentidos da arte na ponta dos dedos.


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